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Artigo: Colhendo os frutos de uma década de trabalho no Cerrado brasileiro

Pequi: espécie endêmica do bioma Cerrado. Foto: Acervo Funatura

Por Bernadete Lange*

Árvores com troncos retorcidos, inúmeras cachoeiras, uma fauna e flora resistentes ao período  de seca anual e a eventos periódicos de fogo. Assim é o Cerrado, o segundo maior bioma do país, com uma área de 2.036.448 km2, celebrado neste 11 de setembro no Brasil. Ocupando cerca de 22% do território brasileiro, o elevado potencial aquífero do Cerrado renderam-lhe o apelido de “caixa d’água” por abrigar as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul. Aqui, estima-se um total de 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas, 199 espécies de mamíferos, e uma rica avifauna de 837 espécies[i].

Economicamente, é considerada a área de maior potencial agrícola do planeta, onde se dá a maioria das atividades agropecuárias do Brasil, respondendo a 60% da produção de grãos do país[ii]. Além da importância econômica, o Cerrado tem relevância social por ser onde populações tradicionais sobrevivem de seus recursos naturais, considerando povos indígenas, geraizeiros, babaçueiras, ribeirinhos, vazanteiros e comunidades quilombolas que, juntos, fazem parte do patrimônio histórico e cultural do Brasil e possuem um conhecimento ancestral de sua biodiversidade.

Reconhecendo esta rica biodiversidade, há dez anos o Brasil formulou o Plano de Investimentos para o Brasil para o Programa de Investimento Florestal (FIP, na sigla em inglês) voltado para a conservação e desenvolvimento sustentável desta região. Fiz parte da equipe que  desenhou o programa, em 2011, e mal poderia imaginar que o FIP Brasil seria tão relevante para a integração de esforços governamentais voltados para a conservação ambiental e o desenvolvimento no Cerrado, envolvendo os 11 estados que abrigam o bioma.

À época, foi uma decisão estratégica de governo optar por trabalhar com vários ministérios ao invés de um, no intuito de somar esforços mediante o desafio de promover a conservação no Cerrado. Após o longo processo de consulta com instituições governamentais e privadas, pesquisadores e comunidades tradicionais, decidiu-se pela carteira com projetos individualizados e pelo Banco Mundial como ponto focal dos bancos multilaterais de desenvolvimento para o FIP Brasil, financiado com apoio  do Fundo de Investimentos para o Clima, (CIF, na sigla em inglês).

Nesses dez anos, o FIP Brasil já atingiu resultados significativos e inovadores, aprimorando a forma de produzir no Cerrado, integrando instituições nos variados níveis e promovendo a união de povos e comunidades tradicionais que vivem na região. Até aqui, estima-se que as ações somadas já impactaram a vida de 51,7 beneficiários, 37 mil propriedades rurais e 64 comunidades tradicionais.

Com o projeto FIP ABC Cerrado, encerrado em 2019, produtores e produtoras rurais mudaram o cenário das suas propriedades rurais por meio da recuperação de pastagens e outras práticas agrícolas de baixa emissão de carbono. Esses produtores demonstrando seu compromisso com práticas sustentáveis através do investimento de 7 reais a cada 1 real colocado pelo projeto. Onde antes era pastagem  degradada, hoje vê-se pastagens produtivas e nascentes protegidas.

No final de 2021, será a vez do projeto FIP Monitoramento finalizar, com sucesso, suas atividades. Deixará um legado de sistemas e dados confiáveis e de acesso público sobre o desmatamento, a gestão de riscos de incêndios florestais e de manejo de fogo, a estimativa da emissão de gases de efeito estufa (GEE) oriunda do desmatamento e das queimadas no Cerrado. Os principais produtos já foram entregues, organizados e unificados no site do projeto.

Logo no início de 2022, quem entregará os resultados será o DGM Brasil (Dedicated Grant Mechanism for Indigenous People and Local Communities), um projeto ao qual toda equipe tem carinho. Com 55 subprojetos já finalizados, o DGM Brasil não só representou o fortalecimento das comunidades tradicionais e povos indígenas do Cerrado, como também gerou a oportunidade de povos indígenas, quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de côco sentarem juntos à mesa e iniciar o diálogo, unindo forças para alcançar objetivos comuns para a proteção do bioma. Sem mencionar o protagonismo das mulheres neste projeto, que lideraram 13 dos 64 subprojetos, além do Comitê Gestor Nacional, comandado atualmente pela quilombola Lucely Pio.

A atuação do FIP Brasil continuará nos próximos anos com o projeto Paisagens Rurais, que promove técnicas agrícolas sustentáveis, restauração e conservação  ambiental com produtores rurais em áreas selecionadas. O FIP Cadastro Ambiental Rural também mantém as atividades de regularização de imóveis rurais adequando-os às leis ambientais brasileiras. E o FIP Coordenação, que segue monitorando e avaliando as atividades dos projetos e provendo o intercâmbio e sinergia de toda a carteira.

É verdade que, após uma década, algumas coisas que planejamos continuam sendo aplicadas: as práticas produtivas eficientes, a conservação ambiental. Mas a realidade nos impôs grandes desafios como as mudanças na legislação e nas políticas públicas, as transformações no mercado, os desafios cambiais e, por fim, a pandemia da COVID-19, que nos colocou diante de soluções remotas e virtuais.

Por isso, este Dia do Cerrado é um marco importante para olharmos esse caminho percorrido pelos projetos até aqui e todas as conquistas alcançadas na busca constante de conservação  do nosso Cerrado.

Fontes

[i] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. O bioma Cerrado. 2020. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/biomas/cerrado.html. Acesso em: 19 ago. 2021.

[ii] Revista Safra: https://revistasafra.com.br/cerrado-e-campeao-em-produtividade-na-agricultura/

* Especialista Sênior em Meio Ambiente e coordenadora dos projetos FIP pelo Banco Mundial